29/10/2007

Missiva


Nunca mais! Entendeu?

Já disse que meus olhos não alcançam mais tuas retinas; que, surda, ignoro o eco das letras que chegam por um carteiro qualquer e meu tato se excita em sentir o prazer mórbido de triturar tuas palavras.

Eu avisei que amor não se alimenta de rabiscos ou de suspiros. Aliás, não sei do que se nutri e nem me interessa. O que entendo mesmo é que amor existe na cotidianidade das horas, nos interstícios da vida. Não tem conceito, definição. Vivi-se simplesmente. E mais, alertei que o fogo da nossa paixão reluzia por conta das cinzas, ainda quentes, que éramos quando nos encontramos.

Mas nada foi suficiente. Não ouviste as linhas, entrelinhas, frases e palavras soltas por essa boca que ansiava por teu toque, nem o silêncio gritante que se mostrava toda vez que meu corpo se delineava ao teu.

Sinto muito. Não me venha pedir pra esperar. O tempo é traiçoeiro e as noites, intercaladas aos dias, não me permitem tamanha sensatez. Além disso, sempre fui espaçosa, solta e tu sabias. A paixão que nos unia era resquício de nossas cinzas, eu já era pó quando chegaste.

Ora, poeira é coisa errante, dispersa. Alastra-se por todos os cantos, mas nunca deixa de ser – só se mistura às comparsas que vai se deparando nessas viagens incessantes. Sou mosaico de tudo que encontrei por aí e filha da noite também. Lembras? O brilho do luar me faz cintilar e quando o dia chega, renasço - sempre nova.

Em meu peito não tem mais lugar pra ti. É um novo peito, nova carcaça. A veste que te cabia, nem uso mais. E se tenho vontade de rasgar tuas cartas, é porque não encontro nelas vestígios de ti nas longas declarações que sussurram. Essa que te responde, não é mais aquela que deixaste. Tu nem existes pra mim.

Adeus.





Imagem: Sue Anna Joe

23/10/2007

Surreal


Deixo rastros ao léu em busca de coisa alguma que mate a sede insana habitante desse vazio cheio de tudo que me perfaz só pra seguir trilhas incertas em direção ao cais de anseios que construíste enquanto encantado por meu contorno e silenciar tua metademundo ancorando esse corpo em minhas entranhas fazendo de eu mesma morada das vontades camufladas na outra metade de ti que é o perder-se e bem sei do vento caçador dos desejos que trazes tentado roubar dessa arquiteta ilusionista o substrato de teu ser e mesmo assim não canso de esboçar no mundo do adeus momento de chegada nem fico esperando dia de volta se és o nada que preenche meu tudo e tudo que jamais tive porque só existes nos devaneios oníricos que perturbaram meu sono ontem à noite.









Imagem: Floriana Barbu

17/10/2007

Germina


Vive de calmaria como lago sem correnteza, ancorando idílios no cais da sensatez. Nunca desvia das pegadas deixadas ao longo do caminho - que é sempre o mesmo - ou atiça vontades prisioneiras nas algemas que ela pôs. Temerosa de se lançar em qualquer coisa - permanece flutuando na nuvem ilusória que criou pra si.

Decorou de branco todo o ambiente para que as cores não excitassem as retinas e cobriu-se de muralhas arquitetadas com a argamassa das coisas apaixonantes que desprezou. Sentia proteção no acolchoado etéreo dessa morada altiva e incólume, como se fosse possível castelos no ar. Diariamente ensaia uma dança insípida ao som do silêncio mordaz – única companhia na masmorra de si.

Maria optou pelo exílio desde que Antonio partiu sem ao menos dizer adeus. A ataraxia, forma de suprir a falta deixada pelo contorno antes moldado ao seu. Ansiava pela ausência de dor, como se possível fosse viver sem ela. Não percebia que o revestimento auto-erigido, a mudez permanente e o balé solitário ao som do nada fincavam suas entranhas nas raízes do dissabor.

Depois de algum tempo persistindo nesse luto vão, a agonia dos olhos sedentos de vermelho-luxuriante transbordava pelas pálpebras. Notando a impossibilidade de fugir do interior borbulhante que tem – embora latente, não resiste.

Demole a carapaça que cobre o corpo, tinge de arco-íris seus arredores, canta pra ouvir a própria voz e algo germina do casulo - sai uma metamorfoseada moça de lábios carmim, com vestido decorado por lascívias cintilantes. O chamamento do mundo foi maior que o desprezo e o temor da dor.

Soube que vicissitudes são cordas pra tecer o enredo da vida e os acordes desse aprendizado ecoam violentamente nas planícies que decide conhecer e resistem nos vales dos planaltos esculpidos por ela. Quer ver o mundo de cima e fincar no cume de cada colina um sorriso de esperança e uma pegada sem destino.

Maria - que se afeiçoou aos seus fantasmas, agora borboleta errante nos ares do tempo. E nem tem receio de suas asas derreterem sob a quentura dos dias ou congelarem na frieza da noite. Destemida, enfrenta o vento da incerteza que lhe açoita inteira. Maria não é Amélia, mas virou mulher de verdade.







Imagem: Graça Loureiro

15/10/2007

Autocrítica



Retirei o texto que postei ontem porque nem eu mesma conseguia lê-lo. Estava muito ruim! Vou escrever um decente e colocar aqui pra vocês.
Beijos a todos.










Passe também no Controversos, um blog erótico que fala de amores e humores, que risca a alma com um fio de sangue, que faz estremecer, que trava a boca.







Imagem: Wayne Suffield

06/10/2007

Efemeridade

Não penso nos passos desconexos que risco na estrada dos dias cinzentos, azuis, arco-íris percorridos a esmo. Sou nômade nos desertos que me perfazem, também oásis que nutri após estiagem voluntária. Autofágica, mato e ressuscito vontades insaciáveis; degusto o querer para comer o prazer. Por vezes, nem sei onde estou - se nos bancos de areia de meus ângulos ou nas ilusórias plataformas que encontro na paisagem insólita que me figura. Como miragem, riachos umedecem fissuras da carne, irrigam o viço e atiçam a vastidão das retinas. Revigorada, vislumbro a linha de meu horizonte, sigo a desenhar caminhos fugazes nos grânulos arenosos, partículas elementares de meu corpo. Duna, nunca alcanço meu contorno - linha divisória do início e fim dessa jornada interior, fronteira imaginária. Fugaz e transitória, no momento em que me vejo, já me perdi


de mim.


01/10/2007

Não mais

Resquício das lágrimas vertidas intencionalmente para obstruir teus passos, submergir a resolução e dissolver o tempo. Assim ficaria em ti, se fosse possível. Em teu corpo, um mosaico de apelos. Factais de tristeza.

O fenecimento do lampejo nas retinas de minhas janelas - brotado efemeramente no horizonte - para que vislumbrasse a ausência, lugar de tua morada, não compreendi. Segui adornando de quimeras o que não mais era.

Do querer insano, resíduos recheando a lacuna de teus contornos restará. E também o eco dos gemidos de dor a contaminar os orifícios auditivos que levaste. Riscarei tua carne - diariamente - com o fio de cabelo que grudou na roupa que vestias e não perderá meu vulto nos anseios que tiveres.

Assim, tatuarei a saudade no lado esquerdo de teu peito, plantando a vontade na memória. Retornarás pela mesma estrada - construindo atalhos que encurtem o caminho - só para que o tudo de ti encontre o nada de mim.

É que vazia e despedaçada, iniciei a colagem do que me restou abandonada. Quando chegaste, meu olhar não reconheceu a face antes tão querida e os fragmentos que deixei contigo, não mais se encaixam nessa forma que montei só para me encontrar depois de me perder em ti, meu desgosto.



Imagem: Teresa Zafon