27/02/2008

Esquecimento




Somente veredas de esquecimento conheci. No início, perdi o desejo pelas coisas descobertas ao longo dos acostamentos; no meio, considerando sucata o amontoado de anseios sentidos, desprezava-os; apenas no fim entendi as colinas entulhadas nas extremidades da vastidão que foi meu olhar. Então, por não mais enxergar, degustei o fel gasoso recheando as narinas dilatadas ao longo dos dias e percebi que esses detritos eram estilhaços de eu mesma - disseminados no tempo - enquanto seguia esquecendo de mim.






Imagem: Elena Orlova

01/01/2008

Perder-se




Tinha fome de tudo. Como se possível fosse sorver a liquidez, triturar a dureza do mundo e sentimentos de uma vez. Com tanta voracidade, num lance final, engoliu a si mesma. Não suportou os hiatos da vida. Virou o próprio vazio ao tragar aquilo que lhe movia: vontade. E se perdeu no abismo de sua ambição.







Imagem: Elena Orlova

17/12/2007

Antinomia de mim


Delineio semânticas que expressem intencionalidades nos escritos que faço. São negativas, melancólicas, expoentes daquilo que sou. Embora talvez nem seja. De fato, crio mundos, percepções, confissões que não me traduzem ou sim. Não são auto-retratos ou são.

Nessa contradição permanente, esboço dicotomia, antinomia de mim. E por ser antagônica é que me faço ou não. Só existo na duplicidade proeminente que improvisa um mosaico, espelho de meu reflexo. Sou fractal. Pedaços que moldam esse todo compreendido somente enquanto tal.

Nacos de anseios, quereres, desilusões, alegrias e esse tudo-nada que me perfaz, complementam minha concretude. Substância errante perdida nos corpos fluídos das volições e angústias aconchegadas no colo escolhido para alentar a intensa profusão de ser.

Essas são expressões que germinam em momentos singulares, palavras jorradas da insana penúria de ambicionar e, muitas vezes, não poder objetivar subjetividades que, para outros, acabam não tendo significado.

Exponho-me a escrever porque nas letras encontro a matéria prima das caricaturas de alguém tão solta no mundo, que precisa se testar. E lego essas divagações ao efêmero ato de fazer daquilo que não é o que possa ser; do que possa ser o que não seja. Escrevo para transbordar esse eu dialético-dialógico transcendente e inesgotável. Sou não sendo.





Imagem: Teresa Zafon

29/11/2007

O que é


Era pra ser vento efêmero que tinge o rosto de tempos vindouros ou lembrança passageira se acomodando em istmos de ontem e depois. Nada além de rajada lunar a clarear as noites boêmias poderia ser. Nem mesmo fagulha solar incendiando um lindo sorriso na face inóspita. Devia ser breve como chuva equatorial, fugaz frente fria que toma conta dos trópicos vez por outra.

Acabou sendo verão na metade dela que era inverno e refrescou a parte coruscante que a levava por caminhos desconhecidos em busca de algo que nem se sabe. Criou raízes fundas, fecundas e todos os dias brotam pétalas de quereres, punhados de sonhos, rios de ilusões.

Folhas de esperança germinam cotidianamente desde então. São alimentadas pelos riachos de todo dia que regam suas raízes de amanhã.





Imagem: Kharlamov Sergey