31/08/2007

Ontem a noite

Foto: Luiz Eduardo Robinson Achutti




Ontem à noite vi teu rastro de gelo atravessar meu rio de fogo. Foi fumaça pra todo lado! Evaporou-se a distância que se instalou entre teu corpo e o meu. Cruzou a tua frieza e o meu ardor. Senti a boca ferina sorrir de meus olhos felinos. Penetrou neles como uma serpente venenosa e eu nem tinha soro antiofídico. Quase morri ao ser picada pelo inesperado encontro! Por um triz me salvei. É que teu veneno já não é mais letal para meu corpo. Ao longo dos dias em que me evitaste fui adquirindo anticorpos. Isso! Anti-corpos. O meu e o teu. Não corpos. Apenas contornos dos beijos loucos que trocamos. Somente marcas das mordidas que deixastes em minha carne. Diluída lembrança dos loucos momentos em que a lua -envergonhada- testemunhava os atos libidinosos que praticamos ao relento. O teu veneno alucinou, mais uma vez, minha lucidez. Quase viro poeta diante de ti! Ao rever teus cabelos ao vento, senti vontade de gritar um poema que fizesse jus ao brilho que deles irradia. E nem sabes tudo isso que rasgou meus pensamentos quando, ontem à noite, te vi. E nem sabes que ando a escrever pensando em nós. E nem sabes. Nem sabes a falta que ainda me faz. Apesar dos anticorpos. Embora sejamos paradoxais. Ainda que não sejas meu. Mesmo que eu não seja tua. Teu veneno corre em minhas veias. Mas já não é fatal. Fatalidade foi te encontrar ontem à noite e ter que suportar a proximidade entre nós. À distância -nesse caso- é mais apropriada que a cruel verdade de que, mesmo ao meu lado, um abismo de mal entendidos separa teu entendimento da minha compreensão. E teu contorno se dissipa na imensidão da noite que te engole mais uma vez. Enquanto ias sumindo no suspiro da escuridão, descobri: não morri em tua desmedida aparição porque não passas de um espectro a rondar meus devaneios. Ainda que sejas real.